A fina tira de papel esticada se sustentava trêmula, cada extremidade entre os três primeiros dedos de cada mão. As veias azuladas começavam no pulso e faziam uma rede que se estendia até os dedos magros, onde ficavam evidentes as unhas sujas e cumpridas de Dom Quixote. Repousou gentilmente a folha sobre a mesa e de lá tirou um pequeno bloco marrom-esverdeado que tinha o tamanho de uma unha - não de uma unha sua, mas de uma unha de polegar normal e bem tratada. Partiu a erva prensada com as unhas afiadas e começou a fragmentá-la de forma mecânica, até que seu conteúdo houvesse se desintegrado como uma folha seca que é esmagada.

Projetou-se para a frente e, de forma delicada, jogou o fumo sobre o papel, da mesma forma que um chef experiente espalha o tempero uniformemente numa iguaria cujo feitio é complicado e belo. Seus olhos azuis e inquietos pareciam não perder de vista nenhum detalhe da empreitada, e o topete loiro, que o fazia assemelhar-se a algo de Sting e James Dean, não balançava profusamente, como era de costume quando ele se movimentava. Apenas suas mãos se movimentavam, ajeitando o fumo que sobrava nas bordas e segurando novamente o papel na posição inicial.

Possuía a indiferença e a tristeza características de quem fica velho cedo demais, e parecia um nó cego na rede de pessoas que sorriam animadas no bordel. Na cadeira ao lado, uma dançarina particularmente velha e pelancuda sentava de costas no colo de um extasiado Sancho Pança, que olhava para seu quadril como se este fosse um hambúrguer na somália. Os braços finos da senhora erguiam-se na altura da cabeça, onde o cotovelo se dobrava de forma a permitir suas mãos pálidas acariciarem a face suada do gorducho. Se o aroma de cigarros e perfume barato partia dela ou se tratava de um odor permanente no local, era impossível definir no momento. Seu cabelo era de um loiro tingido cor de ovo, e resplandecia no topo de sua cabeça como um prato de miojo jogado sobre uma múmia.
Sancho, cuja massa corpórea tranquilamente ultrapassava os três dígitos, trocara seu aspecto modesto por um ar confiante de quem exalava masculinidade por cada poro de seu adiposo corpo.

Dom Quixote logo quebraria o encanto da bruxa sobre Sancho. Uma gota de suor escorreu por sua testa saliente, fruto da empreitada maconheirística que requeria tanto esmero e dedicação. Com os dedos indicadores, acariciou o fumo que jazia quase uniformemente sobre o papel estendido. A maconha localizava-se exatamente no meio do papel, enquanto as bordas inferior e superior se juntavam, e a borda inferior era agora empurrada pelos polegares com suavidade até encontrar o fumo. Usou os indicadores de modo a fazer pressão para que não restasse qualquer espaço vazio entre a seda e a maconha. A primeira enrolada sempre requer mais habilidade. Finalmente pareceu respirar e olhou em volta. Agora a puta velha, evidentemente chapada, cambaleava numa posição esquisita, em pé sobre as extremidades da cadeira de Sancho. Sorriu pela primeira vez na noite, e voltou ao fabuloso artesanato.

As luzes profusas do bordel escapavam pela janela e cortavam a madrugada como uma lâmina luminosa, insistindo em desafiar o sono da civilização, essa criatura magnífica que estarrece os estrangeiros e deixa os artistas loucos. O cigarro quase industrial que se materializava naquele momento recebia uma aura própria, ofuscando todas as vaginas e sorrisos do local. Girou lentamente o papelzinho em seus dedos. Segunda enrolada. Depois a terceira. Havia uma piteira pronta que ele havia preparado segundos antes com um pedaço de papel do maço de cigarros, antes de começar o baseado. Sabia a rotina relativamente simples que viria a seguir: colocaria a piteira no buraquinho do baseado, viraria-o ao contrário e bateria suavemente para o fumo descer, sem deixar espaços vazios. Depois usaria um fósforo para empurrar o fumo, então arracaria o papel de seda restante e dirigiria o baseado mágico a Sancho, para finalmente livrá-lo do feitiço da bruxa carcomida.

Antes disso, bastava dar a lambida final no papel para fixá-lo. Dirigiu o papel à boca, meteu a lígua pra fora e deslizou suavemente pelo papel áspero. Mas por alguma ironia cósmica, nunca chegou a ver seu beck perfeito - ao chegar com sua língua na metade do papel, pôde olhar pelo canto dos olhos apenas tempo suficiente para desviar a cabeça do objeto que vinha a seu encontro: a prostituta voadora que, após tropeçar com o calcanhar no braço da cadeira do gordinho, finalizaria sua fatídica trajetória aterrissando na mesa, derrubando todos os copos e jogando sua carcaça fácida sobre a obra de arte tão cuidadosamente elaborada por Quixote.

Os fragmentos de maconha projetaram-se para o alto, formando uma pequena e efêmera constelação de THC, para então repousar no chão embebido em cacos de vidro e cerveja quente. O papel de seda, meio molhado, meio amassado, parecia apenas uma casca vazia e sem vida a descansar entre os dedos ainda incrédulos do homem. Um Sancho surpreso levou as mãos a cabeça por dois segundos, antes de se dirigir ao chão para levantar a pobre velhaca.

Um Dom Quixote desolado olhou para os destroços de sua epopéia prematuramente morta e, ainda sentado na cadeira, descansou as costas sobre o apoio e fitou o teto apenas tempo suficiente para fechar os olhos e suspirar lamentavelmente. A puta pediu desculpas com a voz arrastada, pegou os 30 reais de Sancho e se dirigiu ao camarim para descansar ou cheirar mais algumas gramas de cocaína.

O infeliz homem puxou mais um quadradinho de seu bolso e voltou à etapa anterior. Enquanto isso, o mundo girava a seu redor, e as luzes do puteiro vertiam na solidão da madrugada - o eterno paraíso onde os copos são cheios e as mulheres são vazias.

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Noel Gallagher e o fim do Oasis

"Tomar drogas para escrever canções melhores é uma estupidez. Minhas canções já são muito boas. Tomo drogas porque gosto." - Noel Gallagher.

Me sinto triste, mas não surpreso em anunciar que Noel Gallagher, o autor de hits de sucesso como "Don't Look Back in Anger" e "Wonderwall", abandonou a banda Oasis. Você, que tem tanto ouvido para a música quanto o próprio Van Gogh, vai me perguntar: "Legal, e daí?". Você está certo, não tem importância alguma - mas isso não te faz mais inteligente, nem me impede de escrever a respeito. Vamos lá?

A relação tempestuosa entre os irmãos Noel e Liam Gallagher é notória. Discussões públicas, shows cancelados, brigas no palco. E nesta sexta feira, após uma briga feia num festival em Paris, Noel anunciou no site sua saída da banda. Vou trazer um pouco da história de Noel e do Oasis para vocês, e dizer qual a relevância disso tudo na música atualmente.

Devido ao talento e à lingua afiada dos irmãos Gallagher, o Oasis se tornou uma das bandas mais polêmicas dos últimos tempos. O som carrega influências (explícitas ou não) de bandas como Beatles, The Who, Neil Young, The Smiths, e outros. A lista de inimigos dos encrenqueiros de Manchester também é extensa. Nela estão Bono Vox, James Blunt, Robbie Williams, Spice Girls, e outras celebridades. Como resultado, processos, críticas ferrenhas e ódio generalizado para com a arrogância dos dois. E obviamente, eles adoraram. Fazer as pessoas gostarem de você é algo legal. Mas ser odiado, isso é uma arte.

Apesar das controvérsias, Noel é um gênio. Descobri que durante a adolescência ele apanhava do pai, sofria de dislexia e usava muitas drogas. E para foder mais ainda, era gago. Mas ao ganhar a guitarra de sua tia, o rapaz problemático praticou com afinco e em pouco tempo estava escrevendo suas primeiras músicas. Ele fez viagens com alguns músicos conhecidos, e logo aprendeu a tocar bateria e teclado sem grandes dificuldades. Como o tempo, Noel se tornou um garoto problemático e talentoso.

Ao descobrir que Liam tinha uma banda, Noel decidiu se juntar a ele, mas fez a exigência de que tivesse total controle sobre a banda e suas canções. E assim foi.
A partir de então, a banda de garagem que não tinha dinheiro nem para bancar os próprios equipamentos começou a ensaiar exaustivamente sob o comando de Noel. Não demorou para chamarem a atenção de produtores e críticos. Alguns anos depois, o Oasis lançou seu primeiro álbum, "Definetely Maybe", e depois "(What's the Story...) Morning Glory?", que se tornou o segundo álbum mais vendido da história da Grã-bretanha. Noel compôs a maior parte das músicas da banda, fez muitas das linhas de teclado e bateria, além de ser vocal e guitarrista. Nada mal.

" Logo que entrei no grupo não deixei mais Liam e Paul McGuigam escreverem músicas. Eles só faziam merda." - Noel Gallagher

Irmãos Gallagher, quando não estavam se quebrando

"Liam is the good looking one" - Noel Gallagher

Sejamos sinceros: Liam é o frontman. Sempre foi a figura mais carismática e conhecida da banda, além de ter uma voz incrível. Foi ele quem cantou músicas como "Supersonic", "Lyla" e "Wonderwall". Aliás, ele cantava a maioria das músicas do Oasis. Justamente devido a esse contraste entre dois vocalistas (as baladas melancólicas geralmente cantadas por Noel, e as mais enérgicas pelo Liam) as canções apresentavam uma identidade vital e inédita. E os anos 90 marcaram o maior sucesso da banda. Em 2000, fizeram o show histórico "Familiar to Millions" no Wembley Stadium. Recomendo pra quem quiser ver essa ótima performance da banda.

Uma vida de estrela do rock. Shows lotados, cheirar cocaína no banheiro da rainha da Inglaterra (sim, eles fizeram isso!), ter milhares de mulheres praticamente enviando suas vaginas pelo correio. Quem nunca sonhou com isso? Porém, quando você tem dois egos gigantescos juntos, dividindo atenção, drogas e dinheiro, não precisa ser gênio pra saber que vão entrar em rota de colisão, e vai dar merda. Foi o que aconteceu.

Maine Road, 1996

Nenhum dos álbuns seguintes superou "(What's the Story...) Morning Glory?". Os membros da banda faltavam nos ensaios, as drogas e álcool estavam detonando com a qualidade da produção. E foi isso: mais encrencas, mais polêmica, menos música. Tudo isso seguido de tentativas desesperadas de voltar ao topo. A relação entre os dois irmãos andava numa corda bamba. Com o tempo, Liam perdeu a energia da voz, e a impressão que tive foi de que a banda já deu o que tinha que dar. Acho que Noel também percebeu isso. "Heaten Chemistry" e "S.T.O.G." foram álbuns horríveis. Gostei do "Stop the Clocks", e odiei profundamente o novo "Dig Out Your Soul".

Algo que fará falta no Oasis é a atitude Rock n' Roll. Não digo necessariamente música, pois apesar de as canções de Noel serem inovadoras e viciantes, ainda se enquadram na categoria britpop, por mais que a maioria dos fans não goste da definição. Quando me refiro à atitude Rock n' Roll, penso em algo que anda em falta na música atualmente, que é lançar um grande foda-se para tudo e fazer o próprio som. É só assim que se distingue um músico apenas talentoso de alguém fora de série: rir da crítica, não ter medo de criar algo novo. Esse é meu principal elogio aos porras-loucas Gallagher: os dois estavam pouco se fodendo se iriam gostar de suas canções ou não. Cancelavam shows, encrencavam com repórteres, faziam letras (veja bem, eu disse letras, não músicas) totalmente non-sense, e ainda assim se tornaram uma das maiores e mais carismáticas bandas da atualidade.

se vc manja algo de inglês, vale a pena ver as "pérolas" de Noel Gallagher: http://www.youtube.com/watch?v=eB9w4CxCXOU

Quanto ao Noel, acho que a carreira solo promete. Ele já fez shows sem a banda, como no Cabaret Sauvage, na França em 2006. Ele também fez o MTV Unplugged sem o Liam. Em ambos os casos, o som ficou fantástico. É possível que ele volte para o Oasis, mas espero que isso não aconteça. Para mim, continuar escrevendo músicas de britpop é uma limitação para um músico tão talentoso.

Talvez depois eu passe uma playlist. Depois.

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